Alguma vez lhe aconteceu sentir dores na face e dores de cabeça, sem razão aparente? E alguma vez suspeitou que a culpa fosse dos seus dentes?
É cada vez mais frequente encontrar nos consultórios médicos e dentários pacientes em consulta devido a dores na face por razões inexplicáveis. Habitualmente, queixam-se de dores difusas na mandíbula, enxaquecas persistentes, dores de cabeça, rigidez e dores cervicais, sensação de ouvido obstruído e ruídos nos ouvidos. Muitos consultaram especialistas das mais diversas especialidades e nem assim descobriram a razão das dores, nem encontraram soluções para o problema.
Na maioria dos casos, quando fazemos um inter- rogatório mais aprofundado, constatamos que estes pacientes não só apresentam queixas de dores, como tomam muitos medicamentos, e ainda referem “clicks” ou crepitações ao nível de articulações temporo-mandibulares. A anamnese informa-nos geralmente que o paciente apresenta dores nas cos- tas, nos joelhos ou está sujeito a sucessivas entorses. Mas, por estranho que pareça, há muito que se sabe que estas manifestações podem ter a sua origem em deficientes contactos dentários.
ELEMENTOS DE ANATOMIA E DE FISIOLOGIA
Para que ocorra o esmagamento do bolo alimentar, os dentes devem estar em contacto de forma equilibrada. Deste modo, assegura-se uma preparação eficaz do bolo alimentar e a sua perfeita digestão. Os dentes entram em contacto por elevação da mandí- bula que gira em torno das articulações temporo-mandibulares. Estas últimas são movimentadas pelos músculos mastigatórios que permitem o en- cerramento das arcadas dentárias, este fenómeno denominado Oclusão Dentária.
Recetores localizados ao nível das raízes dentárias, enviam informações às diferentes estruturas para a mastigação. Estes recetores dentários enviam in- formações aos recetores musculares, ligamentares e articulares. É deste modo que os dentes comandam a posição da mandíbula no espaço, ou seja, a sua fisiologia. Para que a função seja harmoniosa, é necessário que haja integridade anatómica e fisiológica das diferentes estruturas. Para tal, todos os dentes entram em contacto devido aos músculos que se contraem simultaneamente.
Outra condição é integrada na articulação temporo-mandibular, constituída por dois côndilos sobre os quais estão os discos ou meniscos. Eles devem estar sempre intimamente relacionados durante os dife- rentes movimentos mandibulares. Este conjunto não se cansa, pois economiza o seu funcionamento. Os dentes só contactam realmente 30 minutos em 24 horas, essencialmente aquando da deglutição. O restante do tempo, sob as forças da gravidade, a mandíbula descai um pouco. Existe uma posição de repouso fisiológico que se manifesta por uma ausência de contactos dentários e de contrações musculares.
Ora, como resultado, a disfunção aparece acompanhada de toda a patologia por esta implicada.
ETIOLOGIA
A ocorrência da patologia pode ter várias origens. Se houver dentes extraídos sem que a zona edentula tenha sido compensada por uma prótese, os contactos dentários vão sofrer perturbações. Com efeito, uma arcada dentária é um verdadeiro castelo de cartas: se tirarmos uma carta, todo o castelo desmorona.
Quando um dente é extraído, os dentes adjacentes inclinam-se para compensar o espaço criado pelo dente em falta. A seu termo, estes contactos deixam de ser simultâneos e é então que ocorrem interferências dento-dentárias que provocam desvios da mandíbula.
Este desvio da mandíbula, não deixa que os músculos mastigatórios tenham uma contração de forma equilibrada e provoca disfunções musculares, estas manifestam-se por cãibras, com as consequentes dores, mais tarde, as articulações temporo-mandibulares serão também atingidas.
Para compreender tudo isto, imagine-se um indivíduo a caminhar com um só sapato, ou seja, com um pé descalço e outro não. O seu andar encontrar-se-á modificado e alterado, o coxear consequente deste género levá-lo-á a dores dos músculos responsáveis pela marcha. A longo termo, o funcionamento das ancas será também perturbado.
ACIDENTES
A disfunção das articulações temporo-mandibulares tem também outras causas, em que as mais importantes são as causas acidentais. Um acidente de viação pode provocar lesões cervicais, nestas circunstâncias há uma luxação da mandíbula onde o disco se desloca para a frente do côndilo. Por exemplo, a situação em que o automobilista sofre um embate por trás, verificando-se assim hiperextensão do pescoço aquando do acidente. Depois do choque, dá-se o inverso. O bloco craniano vai para a frente, enquanto a mandíbula vai para trás. O conjunto côndilo-disco acompanha este movimento, deixando muitas vezes discos à frente do côndilo. É então que se produz um entorse das articulações temporo-mandibulares. O côndilo deixa de estar debaixo do mecanismo, passando para posterior deste, isto é, discais. Retomando o exemplo citado anteriormente, imagina-se agora as dores que poderia ter uma pessoa a caminhar com um entorse no tornozelo e as desordens daí oriundas ocasionadas pela sobre-carga na lesão.
STRESSE
Demonstrou-se que em 24 horas os dentes ocluem apenas 30 minutos. Se as articulações só funcionassem neste período, verificar-se-ia a recuperação fisiológica de alguma lesão existente, no entanto, tal não se verifica pois o fator stresse leva a que um indivíduo muitas vezes “serre” os dentes, este hábito denomina-se bruxismo. Quanto maior é o período de bruxismo, mais nocivo se revela.
Um paciente que visite o seu dentista apresentando os problemas da esfera oro-facial deste tipo refere muitas vezes que os sintomas aparecem em períodos de stresse exacerbado, um e outro são indissociáveis. É importante encontrar uma solução para o problema dentário, mas no que respeita ao stresse cabe ao paciente controlá-lo e geri-lo.
Os contactos dentários incorretos levam a problemas mais gerais, como os problemas de postura. Com efeito, um deficiente articulado dentário posiciona a mandíbula diferentemente e de maneira falsa no espaço. Os músculos mastigatórios deixam de funcionar de maneira simétrica. Com o tempo, devido ao bruxismo, eles tornam-se contraídos e espasmódicos.
Ora, por intermédio do osso loide, os músculos mastigatórios estão em relação estreita com os músculos que orientam os ombros, denominados “cintura escapular no espaço”. Os espasmos dos músculos mastigatórios ocasionam, por consequência, basculamento na cintura escapular. Esta é ligada à bacia, também denominada cintura pélvica, pelos músculos dorsais. O basculamento de uma das cinturas provoca o mesmo efeito da outra. Eis como maus contactos dentários que colocam em basculamento a mandíbula, provocam uma báscula num sentido ou noutro, do corpo inteiro. A dor de dentes transforma-se em dores nas costas. É fácil compreender como um problema de postura originário pode levar à disfunção mandibular.
DIAGNÓSTICO
A anamnese deve permitir ao dentista ver os desejos e as necessidades do seu paciente.
A prioridade do pedido deve ser conhecida. Pode tratar-se da dor, ela e um incómodo ao mastigar, ou do incómodo provocado pelos ruídos articulares. A palpação dos músculos mastigatórios dá-nos a informação sobre o grau de espasmos dos mesmos, e, portanto, sobre eventuais dores. A auscultação articular pelo estetoscópio e a frequência dos ruídos articulares. A mobilidade mandibular é medida a nível dos incisivos e dos códilos. Para esses últimos, um dispositivo denominado “Axiógrafo” regista com precisão os deslocamentos do eixo de rotação dos códilos.
A análise da postura evidencia a báscula dos ombros, chamadas cintura escapular, e a da bacia, ou cintura pélvica, em correção ou não com a articulação dentária. É espantoso constatar neste estádio a importância do incorreto articulado dentário nos problemas de postura. O problema dos dentes acarreta, muitas vezes, a dor nas costas.
Por fim, a radiografia confirma a presença ou não de artrose a nível das articulações temporo-mandibulares. Isto informa-nos então sobre o prognóstico a longo termo.
Um diagnóstico preciso é necessário para colocar em prática um tratamento apropriado.
O problema pode ser puramente muscular ou articular. Num ou outro caso, o tempo e a complexidade do tratamento são diferentes, este será antes de mais ortopédico e depois estabilizador do resultado adquirido.
O TRATAMENTO
Consiste antes de mais, na colocação de um plano ortopédico denominado “goteira oclusal”, a forma desta depende do diagnóstico. A sua conceção necessita do registo por impressões das arcadas dentárias e a utilização de um simulador de movimentos ou articulador. A goteira oclusal e de resina dura translúcida e é colocada sobre a arcada mandibular, é estética e não perturba as funções naturais mandibulares. Com efeito deve ser usada 24 sobre 24 horas. Se o problema é puramente muscular, ela pode ser retirada aquando das refeições, se o problema é articular, ela deve ser colocada sem descontinuidade, até para comer. Para perceber isto corretamente, basta comparar o problema articular das articulações temporo-mandibulares com aquele que pode encontrar o paciente que tem um entorse no tornozelo. Para este entorse, o pé é engessado 24 sobre 24 horas, até durante o sono.
O melhor procedimento da articulação permite que ao fim de algumas semanas, o tornozelo recupere totalmente.
É, deste modo, possível poder comparar o gesso à goteira, que é removível, isto permite compreender o uso contínuo desta, tendo em conta que não se pode imobilizar as articulações temporo-mandibulares como aos tornozelos. Com efeito, foi necessário encontrar um tratamento que permita curar o conjunto códilo-discal sem dificultar as diferentes funções vitais da boca. A imobilização completa da mandíbula sendo impossível, o tratamento prolonga-se por 4 a 6 meses. Esta goteira é controlada e retificada no consultório dentário todas as 2 ou 3 semanas.
No fim do tratamento ortopédico, o tratamento dentário estabilizador é iniciado. Este último consiste em encontrar novos contactos dentários simultâneos na nova posição espacial da mandíbula, uma análise num simulador de movimentos (articulador) e efetuada, esta análise oclusal depende do estado da dentição. Se as arcadas dentárias estão boas, os contactos dentários podem ser melhorados por ajustamento, mas se este é importante, o tratamento ortodôntico tem preferência, se os dentes estão muito destruídos ou ausentes, prótese é o único tratamento possível, esta pode ser fixa, removível ou reportada por implantes.
Em certos casos clínicos complexos, o tratamento dentário não é sempre suficiente para resolver o problema da postura. Os pacientes são então encaminhados a um dos especialistas da estática: Reumatologias, Osteopata, etc. Se os dois tratamentos são realizados ao mesmo tempo, é aconselhado começar este último no estádio da goteira oclusal.
Enfim, para as pessoas particularmente stressadas, o recurso a sessão de relaxação ou a consultas no psicólogo são de grande importância.
CONCLUSÕES
A patologia da disfunção das articulações temporo-mandibulares é, infelizmente, ainda mal conhecida. Certos médicos ignoram mesmo a sua existência. As dores são atribuídas às nevralgias ou psiquismo, os pacientes não obtendo melhoras ficam muitas vezes desanimados e desorientados. Refugiam-se frequentemente em certas medicinas. E há solução!
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